Justiça social é uma construção moral e política baseada na igualdade de direitos e na solidariedade coletiva. Em termos de desenvolvimento, a justiça social é vista como o cruzamento entre o pilar econômico e o pilar social. (Wikipédia)
Fez-se recentemente uma conjectura sobre a presença de Kardec reencarnado nos dias atuais, admitindo-se que, neste caso, ele possivelmente daria preferência ao termo Justiça Social em detrimento ao termo Caridade. Assim, teríamos “fora da justiça social não há salvação” em lugar de “fora da caridade não há salvação”. Certamente, para que tal mudança ocorresse, teríamos de convir que também os Espíritos que assessoraram o codificador assim pensariam, de modo a ocorrer o que no século XIX aconteceu: a opção de Kardec pela definição do paradigma “fora da caridade não há salvação”. Mas tal decisão, hoje, não teria por motivação a oposição ao que pregava, então, a Igreja Católica, que afirmava “fora da Igreja não há salvação”, uma vez que as lutas contemporâneas já não mais se concentram com igual força nas religiões, mas, sim, nos conflitos sociais, que por si mesmos são conflitos políticos e econômicos, em que o espectro social assenta-se nos extremos da injustiça e afrontam violentamente, por isso, a individualidade humana nos seus direitos mais simples.
Por mais que a justiça social interesse de perto a todos os homens de bem, que pelejam por uma sociedade justa e igualitária, humana e fraterna, livre e solidária, há um sentido, um significado na expressão Caridade, quando empregada por Kardec, que a coloca numa dimensão ampla, na qual a justiça social se torna um de seus indispensáveis aspectos. Ou seja, Caridade para Kardec não é uma mera palavra e nem o seu significado, então, se destinava apenas à oposição ao que pregava a Igreja. Aliás, pode-se afirmar com segurança que este é um dos seus sentidos menos importantes, conquanto oportuno na época.
Um estudo acurado vai mostrar que o termo Caridade no espiritismo possui uma dimensão cósmica, pelo que abarca não apenas as relações humanas na Terra como também em todo o Universo, no mundo visível e no invisível aos sentidos humanos. A palavra pode ser empregada a uma inumerável quantidade de valores e de práticas, de sentimentos e ações, de relações naturais e culturais. É termo que expressa com perfeição a harmonia presente no Cosmos, entre os mundos, pois que estando configurado expressa, ipso facto, a completude, ou seja, as relações dos seres inteligentes entre si e com a natureza. À sua ausência por conta da passageira imperfeição humana, ela continua presente, mas então incompleta.
As injustiças sociais são indicativos da ausência da Caridade. Os sistemas econômicos e políticos incapazes de trazê-la ao cenário da vida humana resultam nas desigualdades, na falta de solidariedade, de convivência fraterna, na brutalidade dos sentimentos, nos sistemas de dominação, no bloqueio da liberdade, enfim, nos direitos humanos negados. Mas a ausência da Caridade aponta, também e de primeiro turno para o baixo nível de consciência dos indivíduos que implantam e mantêm esses sistemas políticos e econômicos, explicitando o deplorável estado de sofrimento a que o ser humano é submetido.
No quadro atual da evolução do nosso planeta, empunhar a bandeira da Justiça Social é dever e direito dos cidadãos já devidamente colocados na trilha da conquista da Caridade, sob o estímulo de sentimentos sublimes. Negar à Justiça Social o seu valor e importância é mostrar-se distante da verdadeira consciência que a Caridade invoca.
A Caridade é, pois, conquista do espírito imortal. Ela não pertence a nenhum sistema filosófico, político, econômico, menos ainda a qualquer religião. A Caridade é apanágio do homem de bem e este não pertence a nada, senão a si mesmo. Os sistemas justos que a compreendem, dão-lhe o impulso para derrubar as barreiras da incompreensão instalados nos seres e nas sociedades egoístas. A Caridade, contudo, penetra cada vez mais nas consciências em expansão, pois é ela que indica o caminho sonhado da paz.
Kardec compreendeu isso nas suas reuniões com os Espíritos da codificação, ao indicar a dimensão cósmica da Caridade. Factualmente, entendeu que “fora da Caridade não há salvação”, mas ao fazê-lo sabiamente não circunscreveu a Caridade nos limites condicionantes da Igreja, nem mesmo ao significado temporário da salvação. Seu olhar estava fixado além dos contornos do Planeta ao perceber que a verdade se assenta no fato de que a Caridade é o caminho da paz e da inconteste felicidade. É de se crer, portanto, que os mundos superiores, onde paz e felicidade são estados naturais da vida em permanente evolução, coisas como Justiça Social já não constituem mais ideal, senão realidade, uma vez que participam da dimensão maior da Caridade.
Wilson Garcia é jornalista e reside em Recife