O Espiritismo Kardecista ao defender a liberdade de pensamento e de consciência (crença), como se vê nas questões 833 a 842 de “O Livro dos Espíritos”, bem como ao excluir como critério de acesso à suprema felicidade a filiação a uma Igreja ou à verdade absoluta (posto que todos os sistemas de crença entendem possuir a verdade), elegendo em seu lugar a caridade – que pode ser praticada por todos, como se vê no Capítulo XV de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, deixa evidente sua adesão ao postulado da tolerância. Em “O Que é o Espiritismo”, no interessante “diálogo com o padre”, Allan Kardec afirma que “a liberdade de consciência é conseqüência da liberdade de pensar, que é um dos atributos do homem; e o Espiritismo, se não a respeitasse, estaria em contradição com os seus princípios de liberdade e tolerância”. 1
Em tempos de “intolerância galopante” penso que os espíritas devem se unir em torno de determinadas bandeiras capazes de gerar uma agenda positiva que permita ações em prol daqueles que mais sofrem com as atitudes intransigentes.
É preciso, então, mapear os grupos, instituições e valores que estão na mira das ações intransigentes para que possamos protegê-los.
No âmbito religioso preocupam as ações contra as religiões afro-brasileiras. Inúmeros relatos de atos de vandalismo contra terreiros de umbanda e seus seguidores vão se multiplicando em vários locais do país. O fato indica a radicalização de grupos de pessoas que se dizem seguidoras do Evangelho de Jesus. Temos aqui um misto de ódio religioso e preconceito racial. Ambos inaceitáveis para aquele que compreende os preceitos do Espiritismo.
No âmbito político, o discurso do ódio destilado nas propostas de candidatos à presidência da República com perfil extremista precisa ser analisado por nós espíritas à luz dos preceitos da lei de justiça, amor e caridade. Nesta seara alguns acenos simpáticos – acredite se quiser – à volta da ditadura militar merecem ser criticados com a convicção plena de que a liberdade é um valor supremo no atual estágio civilizatório das democracias ocidentais.
Acolher os grupos LGBT também é necessário num momento em que facções de orientação neonazistas matam pessoas por conta da sua orientação sexual. Infelizmente este tema ainda é tratado sob um viés extremamente conservador pela comunidade espírita o que impede uma práxis acolhedora em relação aos gays, lésbicas e afins. Aqui não custa lembrar que Kardec propôs a tolerância e a caridade como dever primário dos espíritas.
A bandeira da tolerância nos impele, ainda, a auxiliar os pais, escolas e movimentos que buscam uma sociedade mais inclusiva para as pessoas portadoras de deficiências físicas e mentais. Desde a facilitação do acesso às casas espíritas, passando pelo apoio efetivo às políticas de inclusão, minimizar o fardo dos espíritos que estão limitados em suas ações neste plano é também uma forma de mostrar que toleramos as diferenças, coisa que ainda está longe de ser uma realidade em nosso país.
Enfim, há muitas outras demandas que resultam do postulado da tolerância. Todas elas podem ser atendidas pelos espíritas e suas instituições. Ser tolerante impõe atitude positiva para superar a intolerância. Acredito que o fundador da Doutrina Espírita toparia esse bom combate!
1 KARDEC, Allan. O Que é o Espiritismo. In http://www.elivros-gratis.net/espiritismo-allan-kardec.asp, acesso em 11.10.2015.