Jacira Jacinto da Silva e Mauro de Mesquita Spinola1
A vida é para quem é corajoso o suficiente para se arriscar e humilde o bastante para aprender.
Clarice Lispector
Dentre os possíveis graus evolutivos, infinitos talvez, consoante se extrai da Filosofia Espírita, em que lugar nos encontraríamos os humanos habitantes do planeta Terra?
Certa vez uma amiga questionou-me sobre quem a estaria esperando no dia do seu desencarne. Atrevida, respondi: possivelmente, as companhias que andas cultivando agora.
A reflexão que propus acima, depende, naturalmente, da interpretação de cada um, assim como a minha ousada resposta à amiga.
Mas a partir das lições encontradas em “O Livro dos Espíritos” pode-se trabalhar com algumas hipóteses. Ao aventurar uma possível relação dos níveis de mundos habitados, Kardec supôs que os primeiros passos do espírito são dados nos mundos primitivos, seguidos pelos de expiação e provas, depois os de regeneração, os felizes e, por fim, os celestes ou divinos.
Aliando esse paradigma à informação de que a Terra se encontra nivelada aos mundos de expiação e de provas, concluiríamos que nós, humanos habitantes deste planeta, encontramo-nos muito próximos dos mundos primitivos, vivendo em uma “casa” com predominância do mal sobre o bem, conforme indica OLE.
De fato, há duas possibilidades muito reais para vislumbrarmos os humanos. Por um lado temos a impressão de que a maioria absoluta das pessoas são boas e honestas.
Dificilmente, quando conhecemos alguém, temos uma impressão negativa; é comum concluirmos que se trata de uma pessoa bacana, embora o contrário também possa acontecer. Quando nos machucamos, quando perdemos coisas, ou quando algo não vai bem, sempre tem alguém por perto para oferecer socorro, devolver o que perdemos, dar um apoio. Assim parece ocorrer em todos os países, onde quer que estejamos.
Além disso, a maioria absoluta das pessoas não está cometendo ilegalidades, embora com frequência as cometamos em nível considerado admissível para o “homem médio”.
Virando um pouco nossas lentes veremos que os humanos também se odeiam por tão pouco. Ainda somos capazes de matar outra pessoa apenas pelo fato de torcer para um time diferente do nosso; ou de desqualificar completamente alguém por defender ideologia diversa. Mas, assistindo aos jogos do time que representa o nosso país em uma copa do mundo somos todos bons, amigos, parceiros; estamos compartilhando o mesmo sentimento.
Em situações ocasionais podemos até virar amigo íntimo de pessoas totalmente estranhas, como por ex., sitiados em uma estação de trem com o tráfego interrompido. Quem são todas as pessoas reunidas nesse mesmo ambiente? Pessoas circunstancialmente afetadas por um mesmo problema; portanto portadoras dos mesmos direitos, que podem, eventualmente, ser detentoras de sentimentos absolutamente antagônicos.
Afinal, qual grupo nos representa? O dos bons e honestos, ou aquele que odeia, mata e destrói os laços de afetividade? Por incrível que parece, segundo OLE, parece que são os dois. Seria fácil explicar se pensássemos que a terra abriga pessoas classificadas num infindável número de posições evolutivas, mas ao que parece não é possível dividir os habitantes do planeta entre bons e maus, melhores e piores, evoluídos e atrasados; uma análise fria do comportamento humano deixa a impressão de que cada ser é por si mesmo um pouco de bondade e outro nem tanto.
O que explicaria essa dualidade humana, oscilando entre o bem e o mal conforme as circunstâncias? Por que olhamos para o outro como inimigo? Por que o agredimos? Por qual razão somos capazes de colocar por terra anos de amizade e simpatia diante da simples manifestação do pensamento de um velho amigo?
No intuito de oferecer alguma contribuição para a nossa reflexão proponho pensarmos que, como sugeriu Kardec, somos espíritos jovens, recém saídos dos mundos primitivos, de modo que, mesmo tendo desenvolvido algum aprendizado, estamos em um patamar muito aquém da evolução, do amor verdadeiro e desinteressado, ou dos pensamentos puros.
Talvez seja correto pensar que oscilamos sim, e muito, pois falta estrutura harmoniosa na nossa bagagem a ponto de nivelarmos o nosso comportamento ao de alguns espíritos iluminados que passaram por aqui deixando-nos lições preciosas. Basta observar que mesmo tendo compreendido determinadas lições, não as colocamos em prática no dia a dia, desde os pequenos aos grandes hábitos, como se despojar totalmente da vaidade, por exemplo.
Mas não estar plenamente alinhado com o bem e o amor não significa que sejamos maus. Quer dizer apenas que estamos no começo da caminhada evolutiva e por isso mesmo ainda temos tanto a aprender. Não é motivo de desalento, portanto; ao contrário, dizem que a felicidade reside na superação das lutas do caminho e não no ponto de chegada. Tomemos a seguinte frase de Gandhi como parâmetro e certamente encontraremos, diariamente, motivos para nos melhorarmos permanentemente.
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Advogada, espírita de nascimento, integrante do CPDoc e Presidente da
CEPA
Engenheiro, professor universitário,
espírita de nascimento, integrante do CPDoc e Diretor Administrativo da
CEPA