QUEM FOI PADRE GERMANO? - Jornal Abertura 2017

Marissol Castello Branco

Desde minha juventude, dentre os romances espíritas que se avolumavam na estante de minha casa, o livro “Memórias do Padre Germano” estava lá e foi lido por meus pais e sempre comentado. Nunca tive o desejo de desfrutá-lo, talvez ainda não estivesse pronta para isso.

Um padre católico com o pseudônimo Germano ditou vários capítulos de um romance, anos após a sua morte, contando episódios de sua última existência onde as circunstâncias na qual se encontrava não o permitiram revelar a verdade na sua vida terrestre. “Memórias do Padre Germano” foi um dos primeiros romances da literatura espanhola com temática espírita e ditada por um espírito desencarnado. O médium Eudaldo Pagés Cames era psicofônico inconsciente. Na falta de um gravador Amália prestou-se a ser a redatora de suas memórias de 1880 até 10 de janeiro de 1884. Anteriormente, em 9 de maio de 1879, o padre Germano apresentou-se como guia espiritual de Amália. Juan Torrents, um dos fundadores de “La luz del porvenir” foi o responsável por reunir em um livro os capítulos publicados no periódico.

Recentemente soube que esta obra também foi traduzida ao inglês por Edgar Crespo, em 2006, e editada e publicada por sua filha Yvone Crespo Limoges. A versão para o português, feita por Manuel J. Quintão, foi publicada pela FEB em 1917. Em 1931 o mesmo espírito agora utilizando a mediunidade de Chico Xavier escreve mais uma história que presenciou em sua estada na Terra como padre “Germano”. Ela foi publicada na revista Reformador em 1932 e depois anexada à obra em português a partir da edição de 1976.

Como o livro foi publicado originalmente em Barcelona, Espanha, sempre imaginei que Germano era um padre espanhol ou italiano.1 Anos atrás decidi iniciar minha leitura e qual não foi a minha surpresa quando descobri ter sido ele um francês. O que mais me intrigava eram as paisagens descritas do local de onde vivia e tentei encontrá-las pela internet. Descobri algumas suposições muito vagas, pois não encontrei alguém que tenha feito uma pesquisa detalhada para descobrir quem foi ele na encarnação relatada, nem onde viveu exatamente. Comecei então a levantar suas descrições no livro e cruzando informações descobri a biografia de um padre católico francês que se encaixa nos depoimentos do espírito denominado Germano.

Em vários capítulos ele descreve a aldeia em que viveu durante anos. Em suas memórias Germano relata que seu corpo permaneceu conservado após sua morte e ele foi considerado santo. Cruzando informações encontrei um padre chamado Jean-Marie Baptiste Vianney que viveu no início do século XIX, considerado um santo incorrupto, pois seu corpo permanece intacto envolto por uma redoma de vidro, chamado cura d’Ars. Existe uma estátua de um menino que o encontrou quando chegou à cidade. O período em que ficou na aldeia de Ars também coincide, 41 anos. O padre antecessor morreu de tuberculose. Esse capelão recebia pessoas de várias localidades que o procuravam para confessar-se e ouvir seus conselhos. Quem leu as Memórias sabe que são fatos semelhantes. Germano não queria que se fizesse uma investigação sobre sua vida na Terra. Utilizou nomes fictícios para evitar polêmica, até porque fez sérias críticas aos penitentes negros e cita alguns criminosos que ajudou e poderiam estar encarnados ainda na época de sua comunicação.

Allan Kardec serviu-se da comunicação de vários espíritos que o auxiliaram na construção de suas obras. Segundo a Revista Espírita de janeiro de 1864, Jean-Marie Vianney foi indicado por Erasto para ajudar nos tratamentos de magnetismo e desobsessão. Ele foi um dos espíritos que faziam parte do grupo que Kardec fez questão de agradecer pelas comunicações feitas através de médiuns e que formaram o conteúdo da filosofia espírita. Desencarnado pouco depois da primeira publicação de O Livro dos Espíritos (1859) e muito conhecido na França como o cura d’Ars. Ele foi evocado em 1863 (Paris), pois atribuíam a ele o dom de curar. Sua mensagem foi publicada em O evangelho segundo o espiritismo com o título “Bem-aventurados os que têm os olhos fechados”. (cap. VIII-item 20). Evocado para curar uma menina cega afirmou: “...por que me chamastes? Para que eu imponha as mãos sobre a pobre sofredora que aqui está e a cure?2 ” Considerado santo por causa de algumas curas atribuídas a ele, como restituir a visão de meninas com deficiência visual, Vianney explica que nem sempre o que queremos é o melhor para nós: “Crede-me, meus bons e queridos amigos, a cegueira dos olhos é, quase sempre, a verdadeira luz do coração, enquanto que a visão é, quase sempre, o anjo tenebroso que conduz à morte...”3

Segundo sua biografia, Vianney foi indicado como pároco coadjutor em Ecully logo após ser nomeado padre em Grenoble. O autor não soube o motivo, mas Vianney permaneceu em Ecully até o final de 1817 e seguiu para Ars no início de 1818. Segundo a versão de Germano, fugiu da cidade por não se sentir à vontade entre os paroquianos.

O padre possuía muitos dons extraordinários, como o da cura e a habilidade de ler as mentes e os corações daqueles que buscavam seu auxílio. Foi esse dom em particular que espalhou sua fama em toda a França, conduzindo multidões de almas perturbadas a procurar a assistência do humilde padre que conhecia seus pecados secretos e seu passado escondido.4

Se Germano e Vianney são o mesmo espírito, não há como comprovar. De minha parte foi prazeroso conhecer essas duas histórias que se entrelaçam. São histórias de uma vida dedicada ao servir. Sempre dispostos a ajudar a quem quer seja. Distribuíram amor e receberam isso em troca daqueles que o acompanhavam.



Marissol Castello Branco, 49 anos, casada, mãe de 2 filhos, arquiteta e professora. Autora de livro publicado pelo CPDoc: Igualdade de direitos e diferença de funções entre o homem e a mulher. 1997

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Os artigos desta coluna baseiam-se em estudos e pesquisas desenvolvidos pelo CPDoc.

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1 Existiu um padre italiano homônimo chamado padre Germano Di S. Stanislao (1850-1909). Ele apareceu numa visão para Gemma Galgani (1878-1885). Ele dedicou os seus últimos anos à beatificação de Galgani. Em 1872 após sua ordenação na Bélgica, foi-lhe atribuído o apostolado na França até voltar a Roma como professor em Santo Staircase em 1876. As memórias do padre Germano foram ditadas de 1880 a 1884, período em que o padre italiano se encontrava encarnado.

2 Kardec, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. J. Herculano Pires. São Paulo, LAKE, 1994. Página 125

3 Idem.

4 http://drepauloricardo.org. Por Joan Carroll Cruz | Tradução: Equipe Christo Nihil Praeponere.

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