Do estado de natureza ao cumprimento das leis naturais, o Ser percorre longa e ascendente trajetória. Partindo da luta pela sobrevivência e necessitando desvendar a realidade imediata que o cerca, experimenta incontáveis sensações, incluindo fatos espirituais. Neste passo, o Espírito interpreta o que percebe, desperta gradualmente suas imanentes potencialidades e descobre, de forma mais ou menos consciente as leis transcendentes que lhe apontam, dialeticamente, os caminhos do progresso.
Sendo gregário, descobre as necessidades dos que com ele convivem e a quem seus atos geram repercussões. Nas sociedades, formam-se aristocracias baseadas em diversos fatores, enquanto a acumulação de bens e as injunções políticas produziram a riqueza e a pobreza, em incontável multiplicidade de situações, de acordo com as circunstâncias culturais e geográficas dos povos.
Ocorre que o conforto material e as vantagens sociais proporcionados ao Homem pela riqueza e pelo poder frequentemente sobreexcitam paixões que o levam a excessos e o tornam indiferentes ao sofrimento alheio, com o aprofundamento das desigualdades.
Diante disso, o Iluminismo e a Modernidade abriam as portas para promessas de sociedades justas e perfeitas. Pensadores espiritualistas e laicos viriam a imaginar utopías a partir do mito do homem bom por natureza (“bom selvagem”). Rousseau, por exemplo, atribuiu a gênese do mal à sociedade, a qual, segundo ele, corromperia o Homem, como se aquela não fosse composta por este. Assim, se a Natureza não estabelece sistemas sócio-econômicos, mas apenas limites então pouco compreendidos, e se bastaria apenas modificar a sociedade para que o Homem progredisse, o Homem poderia projetar suas utopias, como o fez no mesmo século em que surgia o Espiritismo.
Neste passo, Allan Kardec teve como amigos dois homens (Leclerc e Canu) cujas famílias vieram ao Brasil fundar em Santa Catarina um falanstério, espécie de colônia comunitária experimental projetada por Charles Fourier. As famílias foram selecionadas e contratadas por outro amigo seu (Jobard) entre os espiritualistas da época, sob a liderança do famoso homeopata Benoît Mure e a pedido de D. Pedro II. Ocorre que, embora fossem todos espiritualistas, a experiência logo resultou infrutífera, o que provavelmente o levou a duvidar dos sistemas artificiais, como sustentou na Viagem Espírita de 1862 e na crítica à igualdade forçada no Evangelho Espírita.
Inobstante, houve espíritas que aderiram à causas sociais (e anarquistas), como o revolucionário Maurice Lachâtre, que ecoou Proudhon ao sustentar que “a propriedade é um roubo”. No Reino Unido, Owen e Wallace professaram ideias espiritualistas e socialistas. Por outro lado, Léon Denis e argentinos como Mariño, Porteiro e Mariotti, sustentaram um socialismo espiritualista a partir do desenvolvimento individual do Ser, sem o equívoco da premissa de Rousseau e sem o materialismo e a violência revolucionária de Marx.
Sua esperança era justificável, pois, além de o Espiritismo desvendar as causas das aflições humanas e sugerir soluções, diversas comunicações espirituais assinalavam o alvorecer de uma nova era. Ocorre que muitos, alimentados pelo ideal, não perceberam que se tratava de revoluções morais numerosas, mas individuais e localizadas, num processo lento e ainda longe de realizar plenamente seus potenciais sociais.
Enfim, encontrando-se o Espírito em condição inferior na Terra, era de se esperar que as paixões prevaleceriam sobre os valores espirituais, com sistemas materialistas que, de modo geral, punham a liberdade capitalista e a igualdade socialista numa tensão permanente e de difícil conciliação, dirigindo o Homem ao sofrimento.
Kardec, a propósito, reflete que, ao invés de tentar iniciar a construção de um edifício pelo teto, deveria o Homem iniciar por combater o orgulho e o egoísmo, que são os vermes roedores de todas as instituições progressistas - além do desconhecimento acerca do Espírito, permitimo-nos acrescentar.
De fato, o problema do Homem é moral. Embora seu sofrimento demande providências imediatas, nada de perene alcançará enquanto não desenvolver bons valores. Apenas quando entender que a Lei Natural habita sua consciência e é a guardiã de sua probidade, terá muito maior aptidão para construir a justiça que aspira.
Lucas Sampaio de Almeida Santos: Advogado e membro do Teatro Espírita Leopoldo Machado (Telma) em Salvador-BA e membro do CPDoc