Coluna do CPDoc - Jornal Opinião - América Espírita – Ano XIV - Nº 146 – Outubro 2007
Porém antes de mergulharmos numa análise comparativa entre estas áreas, se faz necessário recordar que quase um século os separa.
Kardec pertence ao século XIX, enquanto a maior parte das pesquisas médicas sobre o sonho e o sono se inicia efetivamente em meados do século XX. Isso, per si, justifica a necessidade de um diálogo entre estas duas áreas que, por abordar diferentes aspectos do Ser, se complementam: a medicina trata basicamente da matéria e o Espiritismo, do espírito e de suas relações com a vida corporal. É extremamente importante que possamos integrá-las para uma maior compreensão do todo.
Para a Medicina o sonho é “a presença de imagens com desenvolvimento e progressão de atividade mental, alguma ocorrência visual, auditiva e/ou cinética (movimentos), com suspensão da crítica e do juízo durante este período”. É o resultado de diversas mudanças cerebrais porativação de extensas redes e conjuntos de neurônios que estão localizados principalmente na Formação Reticular no Tronco Cerebral.
Atualmente, sua pesquisa em laboratórios tem levado a conclusões importantes como:
• Apesar de sonharmos bastante e em todas as fases, a maior freqüência e qualidade dos sonhos é na fase REM, onde se apresenta com longa seqüência temática, com experiências visuais e emocionais não relacionadas ao cotidiano. Já o sonho na fase NREM é curto, com poucas palavras, pensamentos soltos e fragmentados, menos emoção e relacionados com as experiências da vigília.
• Muitos sonhos são experiências novas, com uma história com coerência temática, e independentes da memória, embora ainda não saibamos como o cérebro, produz estas estórias novas, coerentes e sensíveis durante o sono.
Descobriu-se que os sonhos têm conteúdo apropriado ao tema; que podem ter origens e finalidades variadas; que a afetividade é vinculada às emoções da vigília; que no estado de repouso em vigília apresentamos um processo semelhante ao sonho; que nem todos os sonhos são reprodução de arquivos da memória, mas experiências novas;e que é possível manter a consciência crítica e a capacidade de julgamento, atuando e modificando o sonho.
Todo este conhecimento foi adquirido com o uso de tecnologia, de aparelhagens capazes de mensurar as alterações...
E Kardec, em seu processo dialético com os espíritos, um século antes e sem qualquer das tecnologias utilizadas pela ciência contemporânea, formula não somente conceitos semelhantes, mas de maior amplitude, pois levanta novas hipóteses para os mesmos fenômenos. Utilizando uma visão sistêmica e holística incomum ao seu tempo, integra o Homem em seus aspectos físicos e espirituais e vincula a lucidez neste período ao estado evolutivo do Ser, imputando aos sonhos a função de contato com a realidade espiritual enquanto ser encarnado e um exercício preparatório para o estado após a desencarnação.
Justifica os devaneios em vigília como um estado de maior liberdade do Espírito no seu processo de emancipação ou desprendimento; a fragmentação do sonho como causada pela menor capacidade sensorial do corpo ou por possíveis perturbações durante a partida ou retorno a este. Seriam as interferências do processo de despertar ou adormecer, como se pergunta a medicina?
E informando que os sonhos podem ter diferentes origens (utilização da memória, a criação mental do indivíduo tentando realizar seus sonhos, etc...), acrescenta ao conhecimento científico a afirmação que podem também traduzir as recordações das atividades do Espírito em busca de seus afins, enquanto o corpo dorme; bem como a ação de espíritos perturbadores, gerando os pesadelos.
Ainda onde a medicina tem dificuldade para explicar a previsão do futuro, Kardec discute a presciência ou premonição e os sonhos proféticos, justificando que para o espírito não existe o espaço e a duração podendo, portanto, vasculhar o passado e o futuro.
E apesar do pouco conhecimento científico a respeito deste processo biológico no século XVIII, não deixa de mencionar a participação do corpo neste processo ao dizer das dificuldades de percepção, de memorização das atividades espirituais e da integração do cérebro com a memória espiritual neste período.
Contudo, analisando autores posteriores a Kardec - especialmente Chico Xavier com autoria espiritual de André Luis - encontramos informações sobre o sono e o sonhar de espíritos desencarnados, observando uma contradição, ao menos aparente, em relação aos textos de Kardec, que diz ser o sono exclusividade do corpo e não menciona o sonhar do espírito desencarnado. Esta contradição ainda não foi esclarecida.
Como vemos, o Espiritismo pode propiciar à ciência uma nova abordagem do fenômeno que ainda tanto nos fascina, mas tampouco devemos abdicar dos conhecimentos que ela fornece ao demonstrar a participação de múltiplas funções e sistemas biológicos neste processo. É preciso investigar mais:
Sabendo-se que o sonho está relacionado a um aumento incomum de ativação fisiológica e que o mesmo corresponde a um estado de repouso físico e redução da percepção a estímulos exteriores, poderia este aumento da atividade cerebral refletir atividade espiritual? Por que a qualidade, a freqüência e as características do sonho variam com a idade? Quando o sonho corresponder a atividades espirituais, como se dá a transferência desta memória para o corpo? Como se dá o processo de percepção? Em que áreas cerebrais ele se desenvolve?Seria possível estabelecer diferenciações na função cerebral nas várias origens do sonho? Assim como já se podem definir as fases do sono, se poderia definir as do sonho: recordação, atividade espiritual, etc...? Os espíritos realmente sonham? O que é “sonho” e “sono” para o espírito desencarnado? Possuem o mesmo significado que para os encarnados?
Como produzir mais conhecimento?Propomos um resgate das atividades realizadas por Kardec em associação com a tecnologia atual, utilizando ainda o CUE - Controle Universal dos Espíritos, através de um estudo multicêntrico: com pesquisas mediúnicas, de sonâmbulos, por sonhos lúcidos e por EFC (Experiências Fora do Corpo), etc.