Coluna do CPDoc - Jornal Opinião - América Espírita – Ano XIV - Nº 145 – Setembro 2007
Entendendo que a prisão e as outras formas de punir deveriam ser um instrumento do Estado para a contenção da criminalidade, é necessário compreender as causas do crescimento da violência e do crime, procurando evidenciar o perfil do homem afeto ao crime enquanto ser imortal. Uma pesquisa em desenvolvimento no CPDOC, a cargo da autora, trabalha com esse tema.
O espiritismo, enquanto filosofia que considera o homem transcendente e sobrevivente à vida terrena, parte da certeza de que a sede da inteligência é o espírito imortal, e permite concluir que a decisão de infringir a ordem social e sua conseqüente responsabilidade, não se restringem aos estreitos limites da vida física.
Infere-se, então, que a questão da criminalidade deve ser estudada sob a ótica da prevenção. Analisando o perfil do criminoso constata-se que na sua grande maioria, deriva de um meio social doentio, em que se cultivam valores distintos daqueles que a sociedade convencionou razoáveis. A par disso, o Estado não se desincumbe do seu papel de administrar a pena de tal forma que ela possa representar, ao mesmo tempo, repressão e discernimento acerca da inadequação da conduta. Tanto se faz prevenção antes do crime, como depois da sua efetivação. O índice de reincidência nos estabelecimentos penitenciários tradicionais chega à casa de 80%. Em modernos centros de ressocialização, onde a pena é executada com vistas à sua utilidade, já se conseguiu baixar esse percentual para o nível de 15%.
A questão da prevenção à criminalidade precisa ser trabalhada dentro e fora do meio espírita por se tratar de um problema social e atual, do qual, lamentavelmente, todos nos esquivamos, como se não nos dissesse respeito. Extrai-se da literatura espírita que as pessoas se apresentam na vida pela somatória do acervo ou bagagem intelectual e moral trazida de encarnações pretéritas, com o aprendizado assimilado na presente existência.
Significa dizer que o meio precisa oferecer condições adequadas de aprendizado. Se um espírito inferior acena para um desejo de aprendizado e crescimento o meio terá uma influência decisiva. Caindo num meio desequilibrado, terá toda chance de ser arrastado, pois não tem estrutura capaz de resistir. Ao contrário, se seus pendões estavam abrindo canais para o crescimento e se vê acolhido num meio favorável, tudo indica que obterá sucesso e aproveitará a experiência para crescer. Sem desprezar a grande probabilidade de o espírito viciado desperdiçar a existência apesar de estar bem assessorado no meio social, pela sua incapacidade de apreender aqueles valores, é necessário compreender que ao espírita só existe a opção de investir no ser humano.
♣ Juíza de direito em Bragança Paulista, espírita de nascimento, membro do CPDoc, e Presidenta da CEPAmigos.
Sendo essencialmente humanista, o espírita acredita na transcendência do homem e sabe que pode amenizar a tendência trazida de outras vidas, cativando o espírito para a substituição de valores. Por outro lado, pode prestar uma contribuição efetiva na mudança do meio, evitando, assim, que esse fator seja um coadjuvante acelerador de eventual herança do espírito.
Quando o meio torna irresistível o arrastamento para o crime, o espírito permanece ligado a comportamentos viciosos, dos quais pretendia se libertar quando se propôs a viver naquele meio, porém não lhe advirão maiores responsabilidades se não lhe sobrou opção. De outro lado, a sociedade que tem discernimento sobre os prejuízos do ambiente promíscuo aos seus membros e nada faz para saneá-lo e melhorá-lo, responderá pela inércia. Não será castigada, naturalmente; no entanto suportará a convivência com as mentes desequilibradas, produzidas naquele ambiente que ela não saneou. É assim que o indivíduo e o meio se influenciam reciprocamente.
Para a maioria das vítimas da criminalidade, quanto mais severa a pena, melhor. Isso só se justifica em razão dos baixos sentimentos gerados pela falta de compreensão da natureza humana e dos motivos que levam ao erro. Essa postura representaria o retorno aos primórdios do direito penal, em que se praticava pura vingança.
Por óbvio, se dispuséssemos de mecanismos capazes de recuperar o adolescente infrator e até mesmo o adulto criminoso, não haveria necessidade de castigo. A pena desumana não traz qualquer benefício à família da vítima, além do sentimento mesquinho de vingança. Mas se ao infrator fossem disponibilizados meios para se moralizar, estudar, trabalhar, enfim, crescer, ressocializar-se; toda a sociedade, inclusive a família da vítima, seria beneficiada.
A pena de morte não tem lugar dentro da filosofia espírita. O fundamento maior não reside na esperança inocente de que todos os criminosos possam ser recuperados nesta existência. É que a vida tem um significado especial na visão espírita. Representa a maior oportunidade para o espírito atrasado iniciar o processo de crescimento. Nem se argumente que a pena de morte retiraria do criminoso a oportunidade de cometer outros crimes e se comprometer ainda mais, pois fazer o bem ou o mal depende de deliberação do espírito e não do corpo físico. Aprende-se no espiritismo que o espírito não depende do corpo para praticar o mal, pode fazê-lo também fora da dimensão física.
Sendo assim, resta-nos um único caminho para a questão da criminalidade, qual seja, apostar na capacidade de recuperação do espírito. Deus confia diuturnamente na possibilidade de o espírito recuperar-se, concedendo-lhe infinitas reencarnações.
Sendo a reencarnação a possibilidade de o espírito recomeçar a experiência física equipado com a bagagem conquistada, visando aprender, corrigir, melhorar, enfim, crescer; a interferência do espírita na questão criminal tem por finalidade colaborar de alguma forma para que se permita a recuperação da pessoa que erra. Formar opiniões contra a velha justiça retributiva, resumida na aplicação do castigo puro e simples, e incentivar medidas destinadas ao crescimento moral é tarefa primordial.