Artigo publicado originalmente na Coluna do CPDoc - Jornal Opinião - América Espírita – Ano XIII - Nº 141 – Maio 2007
“[...] os direitos nascem quando aumenta o poder do homem sobre o homem – que acompanha inevitavelmente o processo tecnológico (a capacidade do homem de dominar a natureza e os outros homens) – ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo, ou permite novos remédios para as suas indigências.”
Norberto BOBBIO .
A busca incessante por novas tecnologias e conhecimentos consiste na principal característica histórica do ser humano. É pela experimentação e produção científica que a Humanidade obtém as conquistas, que, não raro, promovem mudanças no comportamento ético e moral do homem e da própria Sociedade. Não é demais dizer que os avanços clínicos são egressos de experimentos com animais, em laboratórios de todo o mundo. O que parecia ser no passado utopia ou mera fantasia, no entanto, ganha corpo e, guardadas as devidas proporções, oferece ao homem novas perspectivas, sobretudo no campo da aventura humana sobre o planeta.
Tal evolução histórico-social da Humanidade é com muito esforço e atenção acompanhada pelos legisladores. O plano jurídico, assim, materializa as aspirações, os direitos e os deveres das pessoas, e, com base nos costumes vigentes – que derrogam os anteriores – influem decisivamente na vida individual e coletiva, com novas prescrições (obrigações de fazer ou não fazer).
No âmbito jurídico, afirma-se a existência de direitos de quarta e, até, quinta gerações, alcançando áreas, situações e relações que, antes, sequer eram previstas ou tuteladas. Nos últimos tempos, mereceram a proteção do Direito, de modo específico e particular, crianças e adolescentes, consumidores, idosos, relações homoafetivas e suas conseqüências, comércio, bens e interesses na Internet, meio-ambiente e bioética. Outros “direitos”, por certo, irão surgir, aperfeiçoando-se instituições e relações jurídicas, ampliando-se, cada vez mais o alcance do “guarda-chuva” do Direito, colocando sob sua proteção cada vez mais pessoas.
A Bioética e sua derivação, o Biodireito, visam, assim, prescrever os limites éticos no uso do conhecimento científico, o entrelaçamento necessário entre Ética e Ciência. Tratar das relações entre Direito e Bioética, à luz do conhecimento espírita-espiritual, sem, contudo, esgotar este amplo e incisivo tema, importa escolher alguns sub-temas que permitem uma abordagem clínico-jurídica e espírita, como: * Bioética, Biossegurança e Tecnologia (Novas conquistas biotecnológicas); * Células-tronco; * Clonagem e Armazenamento de Material Genético Humano e Manipulação genética; * Doação de Órgãos e Transplantes (entre vivos e post mortem); * Alimentos Transgênicos; * Projeto Genoma Humano; * Procriação (Reprodução) Assistida, Fertilização in vitro e Bancos de sêmen; * Transexualidade; * Aborto; e, * Manutenção da vida artificial (em contraponto à Eutanásia).
Em preliminar, qualquer digressão que se faça sobre a questão da permissão aos avanços científicos envolverá a necessidade do pesquisador/cientista estar adequadamente preparado (técnica e eticamente) para desenvolver seus trabalhos e, permeando toda a sua atuação, deverá estar o sentimento de contribuição à saúde, ao bem-estar e à promoção da felicidade humana.
Cumpre dizer, finalmente, que a Doutrina dos Espíritos em nenhum momento se posiciona contrária à pesquisa científica, por ser esta, a seu modo e, de acordo com as limitações da inteligência e compreensão humanos, também, “reveladora” por excelência. Assim, o conhecimento (científico) de per si não é bom nem mau, é neutro, e, em nossos tempos (tanto quanto nos idos e nos vindouros) o que valerá, sempre, é a utilização do conhecimento em prol do benefício da Humanidade, ou, em contrapartida, como instrumento de opressão, agressão e belicosidade. No entendimento espírita, então, sobressai a retórica de que existe e se mantém um forte vínculo entre os cientistas encarnados e os desencarnados – muitos dos quais já encarnaram na Terra com missões específicas em diversificados ramos científicos – para propiciar a adequada simbiose entre o conhecimento deste e de outros planos.
Todos os avanços da ciência material, não obstante secundados por Espíritos Superiores, interessados no progresso material e espiritual deste e de outros mundos habitados, não servirão, contudo, para construir, geneticamente, “personalidades saudáveis” ou “perfeitas”, as quais, efetivamente, serão a natural decorrência da evolução espiritual, como conquista individual intransferível, decorrente do constante comportamento social e espiritualmente correto do indivíduo.
Os avanços, então, conquistados pela Ética, Bioética, Medicina e Direito devem ser tomados como feitos humanos voltados ao interesse público, ao bem das coletividades, superando os meros interesses individuais e corporativistas, para abrir melhores perspectivas de futuro à Humanidade. Ao invés de tentarmos nos defender do progresso, em face de nossas idiossincrasias e crenças, melhor seria acompanharmos, de perto e com destacada atenção, a evolução técnico-científica de nossos dias, sem descurar da necessidade de justificação ética de experimentos e procedimentos médico-biológicos.
Entendemos que somente quando as descobertas e os resultados estiverem ao alcance de todos, sobretudo os mais necessitados, atingir-se-á o corolário ético, socializando-se as conquistas científico-culturais, na vivência plena do Amor incondicional, a caridade cristã, onde os homens são, verdadeiramente, irmãos. Trabalhar, cada qual, no sentido desse desiderato: eis a tarefa que nos cabe no presente.