Artigo publicado originalmente no Jornal América Espírita – Ano XII - Nº 138 – Janeiro e Fevereiro 2007
A CEPAmigos e o CPDoc promoveram interessante debate com o professor José Luiz Santos, autor do livro “Espiritismo: uma religião brasileira”, escrito a partir dos estudos que desenvolve na área de representações sociais e simbolismos, analisando a cultura como dimensão do processo social. Professor titular de antropologia da UNICAMP, fez interessante análise da inserção do espiritismo no Brasil, que se deu por meio da elite cultural, branca, letrada e católica, que falava francês e ocupava funções sociais de prestígio (militares, juizes, etc.). Segundo ele, os primeiros espíritas, principalmente os “científicos”, eram progressistas, anti-escravagistas e pró-republicanos.
Destacou que naquele contexto o catolicismo enfrentava problemas com o império e por não atendia a expectativa da cultura brasileira, que ansiava por coisas espetaculosas. Além disso, o espiritismo surgiu em sintonia com o paradigma dominante do século XIX, o evolucionismo teleológico, que propunha um sentido ao paraíso, o lugar perfeito para onde natural e inexoravelmente evoluiria a sociedade.
Sustenta que, culturalmente, o espiritismo foi uma idéia bem dirigida, que se organizou com força a partir do Rio de Janeiro em duas correntes: a científica e a religiosa, que lutavam politicamente pelo controle da FEB e do movimento. Segundo ele, a República criminalizou o espiritismo, período em que os científicos tomaram a FEB, por pouco tempo. O espiritismo se consolidou como religião quando Bezerra de Menezes assumiu a FEB, após a Revolta da Armada e a repressão desencadeada por Floriano Peixoto. Os científicos foram afastados e Bezerra decidiu ampliar o serviço social da FEB, dando respostas onde o Estado estava omisso e concorrendo com as igrejas católica e protestante pela primazia da caridade. Foi a corrente religiosa, vinculada ao roustanguismo, que passou a influenciar efetivamente a cultura brasileira, enquanto uma religião cristã, assentada na caridade e em uma estrutura religiosa sui generis: uma religião de leigos, assentada em grupos familiares, com autonomia entre os grupos e sem a hierarquia tradicional, uma vez que o médium excluía a necessidade de intermediário eclesiático na relação com Deus.
Destacou como o processo de federalização e unificação do movimento, mesmo o pacto áureo, não conseguiu fazer a doutrinação do movimento. Sustenta que a força do espiritismo foi - e continua sendo - a sua capacidade de conseguir avançar apesar das dissensões (ramatiz, ubaldismo, armondismo, nova era, umbanda, racionalismo cristão, etc), inclusive incorporando uma parte desses segmentos ao movimento unificado.
O Prof° José Luiz atribui a grande inserção cultural do espiritismo na sociedade brasileira à psicografia e à mediunidade receitista homeopática, efetuada inclusive por médicos espíritas alopatas, como o próprio Bezerra de Menezes. Destacou o papel relevante de médiuns como Bartuíra e principalmente Chico Xavier, por meio do qual a psicografia ficou mais conhecida a partir da década de 30.
Para ele, a influência do espiritismo se consolidou a partir do momento em que se transformou em uma religião brasileira, durante a República e, depois no Estado Novo, em que era proibido praticar o espiritismo, mas permitido a prática de religiões. Para fugir da repressão os espíritas passam a se dizer religiosos, definindo a disputa em torno da corrente religiosa roustanguista, já dominante no movimento federativo. Além disso, soube usar como poucos as suas instituições filantrópicas como estratégia de enfrentamento da repressão (primeira república e Estado Novo) e, após, como meio de legitimação social. Ressaltou ainda a importância da criação de meios de comunicação próprios para a difusão do espiritismo no Brasil, destacando que o processo de expansão acabou sendo limitado pela leitura, restrita à classe média.
Tudo isso fez com que o espiritismo se consolidasse como um movimento social de classe média, proporcionando velhos e novos sentidos culturais.
Para ele, a cultura básica do Brasil é a católica, fundamentada em “400 anos de catolicismo medieval, pois a reforma só chegou ao Brasil no século XIX”. E concluiu: “se não fosse a religião espírita o espiritismo não teria sobrevivido e se imbricado na cultura brasileira”.
Apesar do pequeno número de pessoas que se declaram espíritas nos Censos, a sua influência na cultura brasileira é imensa. Defende que o espiritismo entrou e organizou concepções já existentes na sociedade brasileira e que culturalmente é mais importante que a sua estrutura real.
O espiritismo se tornou uma religião no Brasil e se expandiu pelo mundo por meio de brasileiros (e a dificuldade para ampliar ainda mais o processo de expansão reside no fato de que é brasileiro demais).
Sobre a CEPA e o que ela representa no contexto do movimento espírita brasileiro, afirmou que é preciso esperar um tempo para avaliar se não é apenas mais uma demonstração da vitalidade da “religião espírita”. Entende que se a CEPA tanto pode ser absorvida, recompondo o movimento religioso, como pode ser protagonista de mudanças, criando novas possibilidades e perspectivas para o espiritismo.