Artigo publicado originalmente na Coluna do CPDoc - Jornal Opinião - América Espírita – Ano XV - Nº 157 – outubro 2008
Podemos afirmar que o espírita, como todo ser humano moderno, sofreu e ainda sofre influências das crenças e religiões vividas através das suas múltiplas reencarnações, em sociedades com características profundamente religiosas, as quais deram origem aos mais importantes movimentos artísticos até hoje cultuados. Este mesmo ser humano se vê hoje inserido em uma nova filosofia – a Filosofia Espírita – a qual lhe atribui uma progressiva e sucessiva evolução e lhe confere toda a responsabilidade de seus pensamentos e ações, através do livre arbítrio. Assim sendo, tira de Deus o julgamento do que se popularizou chamar de seus pecados, pois essa filosofia dá ao indivíduo um caráter evolutivo, passível de erros na construção de seu caráter, em uma caminhada na busca da perfeição.
Um dos principais papéis atribuídos à arte até então, o da divulgação dessas crenças, para uma sociedade inculta e supersticiosa, suscitando no indivíduo o medo de uma punição divina e implacável, perde a sua função. Na Filosofia Espírita, tais características não deveriam encontrar eco. Mesmo assim, sentimos esta influência no movimento espírita quando vemos a utilização errônea da arte na divulgação de idéias e princípios que às vezes fogem aos conceitos basilares do Espiritismo.
Atribuir às obras caráter curador e terapêutico, no meu modo de ver, é um tanto quanto leviano. Garantir que tais obras são criações sempre de artistas como Claude Monet, Edgar Degas, Vicent Van Gogh, Leonardo Da Vinci, etc. é negar a estes artistas um dos fundamentos básicos da Filosofia Espírita: a reencarnação para a evolução.
Ao meu modo de ver a Arte Mediúnica é:
1. Mais uma evidência de que a vida não finda com a morte do corpo físico, que há uma continuidade de sua essência, mantendo o indivíduo a sua individualidade, dando provas concretas de que o espírito continua pensante e atuante mesmo sem um corpo material.
2. Uma outra forma de comunicação, na qual cada espírito adota o recurso que mais lhe facilite o processo de comunicabilidade entre os planos físicos e extrafísico.
3. Um veículo que demonstra esta individualidade, através da produção de obras de arte mediúnicas, aproveitando o impacto que as artes têm sobre o homem, as quais são amplamente divulgados pelos meios de comunicação.
4. Uma maneira de ilustrar a vida espiritual, através das pinturas e/ou romances mediúnicos, onde o espírito comunicante (artista), por vezes, utiliza uma visão surrealista própria e criadora para causar impacto no leitor, provocando uma leitura “que deve ser sempre” crítica da sua atual condição psicológica e “vivencial”.
Observe-se que estou usando o termo Arte Mediúnica e não Arte Espírita, pois julgo serem coisas completamente distintas. Defino Arte Mediúnica como o processo de criação artística realizada na intermediação entre o artista (espírito comunicante) e o médium, no qual o médium não tem necessariamente que ser espírita. Encontramos manifestações artísticas mediúnicas em:
• pictografia (pintura mediúnica),
• psicografia de músicas, poesias e romances mediúnicos,
• esculturas mediúnicas, etc.
A expressão Arte Espírita, por sua vez, teria que ser uma associação de critérios doutrinários na realização de um projeto artístico. Neste caso, há uma necessidade de o artista ser espírita (mas não necessariamente ser médium, podendo sua obra ser ou não mediúnica). Para termos uma Arte Espírita teríamos que criar uma escola com características próprias e bem definidas, onde o objetivo seria estabelecer parâmetros de análise ao processo de criação das obras supostamente espíritas, criar novas técnicas e conceitos artísticos exclusivos deste movimento, os quais dariam subsídios capazes de ajudar a identificação das obras produzidas, definir os padrões de estética próprias, situar estes critérios em um contexto sócio-cultural e político do movimento, entre outras coisas. Não acredito que é isto que estamos procurando.
Na discussão da Arte Mediúnica, o que procuramos é um modo de analisar o processo de produção artística, não com o intuito de avaliar a obra de arte em si, visto que o artista comunicante já está inserido em uma escola artística. Os parâmetros são semelhantes aos utilizados nos casos de averiguação de quaisquer processos de comunicação mediúnica, tais como: seriedade, forma, fundo, objetividade, necessidade. No caso da pintura mediúnica envolvem adicionalmente a semelhança nos traços e formas, nas pinceladas e no emprego das cores utilizadas, destreza, etc.
A arte mediúnica é mais um processo de intercâmbio entre os dois planos, e deve ser analisada da mesma forma que qualquer outra comunicação, não justificando a criação de um novo conjunto de critérios, talvez só necessitemos ampliá-los e aprimorá-los. É claro que a arte foi e sempre será, um grande recurso para sensibilizar, anestesiar, relaxar, elevar, inspirar e influenciar o indivíduo. Por isso ela sempre vai ser utilizada para atingir a alma humana, podendo até provocar mudanças de comportamento.
Acredito que não é papel do Espiritismo provar a autenticidade destas obras em quanto ao ato criador. Provar que a pintura e realmente deste ou daquele artista renomado e tarefa de profissionais gabaritados, que sentirem a necessidade de fazê-lo. Compete a nós espíritas o papel de verificar se os conteúdos dessas obras não estão distorcendo os conceitos básicos doutrinários. Não com um papel de censura, mas alertando os possíveis leitores e apreciadores a respeito de qual é realmente a visão que a Filosofia Espírita tem sobre os assuntos tratados nas referidas obras.
* Márcia Regina Roberto Aguiar é educadora, artista e participante do CPDoc e da CEPAmigos.