“ O estudo do ser humano nos leva a reconhecer que as instituições, as leis de um povo, são a reprodução, a imagem fiel de seu estado de espírito e de consciência, e demonstram o grau de civilização ao qual ele chegou. Para melhorar o todo, é preciso melhorar cada célula social, isto é, cada indivíduo ”.1
1 Leon Denis
Totalmente acostumados a reclamar (no sentido mais desprezível da palavra, pois reclamar pode ser uma excelente atitude, toda vez que significar irresignação consciente, inconformismo, atitude, busca de mudança, etc.), talvez não estejamos ainda em condições de compreender a magnitude da lição espelhada no texto supra citado, da lavra de Leon Denis.
Sem tomar qualquer atitude consistente contra o aumento excessivo de impostos, preferimos sonegá-los e repetir, feito papagaios, que “o governo nos rouba com tanta tributação”. Extremamente acomodados no nosso niilismo, maldizemos os representantes políticos, nivelando todos pelos menos dignos da classe. Como se pertencêssemos a algum planeta distinto, condenamos a sociedade pela sua postura comodista e conivente com os desmandos dos políticos e das autoridades. Desvalorizando as conseqüências das nossas ações individuais no grupo ao qual pertencemos, condenamos os comerciantes, os ricos, os pobres, os Bancos, as Escolas, os educadores e os educandos. Esses exemplos bastam, mas, é claro, poderiam ser citados vários outros.
Uma reflexão sobre o texto destacado acima poderia levar o intérprete apressado a concluir que devemos nos acomodar; suportar corrupção, prevaricação, malversação do dinheiro público, irresponsabilidades, etc. Mas, por paradoxal que possa parecer, a hermenêutica correta nos induz à direção oposta. A lição de Leon Denis é um convite explícito à ação, à busca de alternativas, à luta, ao estudo, enfim: à busca da superação criteriosa, sistemática, regular e constante das nossas carências.
Grande parte do que nos acontece na vida, de pequenas a grandes coisas, tem relação com a existência das leis. Especialmente no Brasil existe um emaranhado de leis, decretos e regulamentos, do qual raras situações da nossa vida passam imunes. Quando contratamos um empregado, ou compramos uma passagem de transporte, estamos fazendo um negócio jurídico. Quando registramos um filho, ou guardamos economias no Banco, nossos atos estão sujeitos a uma ordem jurídica que os disciplina. E se fizermos uma doação? Um plano de saúde? Fundarmos uma associação de moradores de bairro? Tudo é regido por lei! Ir para o trabalho, simplesmente? Também é ato da vida civil com diversas implicações legais.
Talvez em consideração à importância do ordenamento jurídico em nossa vida, que Leon Denis afirmou: as leis de um povo são a reprodução, a imagem fiel de seu estado de espírito e de consciência, e demonstram o grau de civilização ao qual ele chegou.
Mas não só por isso. Sabia ele muito bem que os legisladores são parte integrante do grupo social e espelham no processo de elaboração legislativa as suas prioridades. Sabia, igualmente, quão distante estávamos àquela época, como ainda estamos hoje, do amadurecimento necessário para delegar esse poder a quem tem condições de exercê-lo. Por certo não ignorava os meandros da construção legislativa de uma nação.
Seja pelos valores que cultuamos em nossa sociedade, seja pelo nível evolutivo dos nossos legisladores ou da massa que elege, ou, ainda, pelos valores que prevalecem na aprovação de um projeto de lei, considero extremamente valiosa a lição de Leon Denis. Para esse autor, é estreito o vínculo entre o nível do ordenamento jurídico de um povo e o seu grau de civilização.
Penso que essa lição é suficiente para nos alertar sobre a nossa responsabilidade. Já é passada a hora de nós agirmos contra tudo que nossa consciência não admite; mas precisamos nos conscientizar de que devemos trilhar os caminhos plausíveis e possíveis, utilizando a via adequada. Não podemos fazer coro com aqueles que falam pelos cantos, de forma irresponsável e sem conhecimento de causa, lastreados apenas num inconformismo egoísta, não se dando ao trabalho nem mesmo de conhecer profundamente o assunto que desejam criticar. Resmungar e condenar, xingar e esbravejar sozinho (ou junto àqueles que estão sempre ao seu lado) não contribui, absolutamente, para a promoção de nenhuma mudança.
Abominável, portanto, a postura de reclamar por reclamar, ainda que seja dos nossos representantes políticos quando não estejam andando bem, ou das nossas autoridades se não cumprem os seus deveres. Tampouco temos o direito de burlar as leis que regem a nossa vida em sociedade sob o pretexto de que não são boas, pois como nosso mestre lionês ensinou, elas são a reprodução, a imagem fiel do nosso estado de espírito e de consciência, e demonstram o grau de civilização ao qual chegamos.
Não há motivo para defender o conformismo, mas nossas atitudes devem pautar-se no aprimoramento moral e intelectual. Do ponto de vista moral, nossos exemplos poderiam representar lições valiosas e as nossas ações desencadear verdadeiras cruzadas contra os abusos absurdos que açoitam nossos direitos elementares. Relativamente à intelectualidade, por certo se fôssemos mais politizados, mais educados e informados, teríamos melhores condições de contribuir para sanar essas mazelas; pois o conhecimento nos permitiria agir, efetiva e positivamente no nosso meio.
Quem enxerga primeiro tem o dever de alertar os outros, abrindo picadas nesta mata densa chamada egoísmo, que permite todo tipo de violação aos direitos elementares. Todos queremos o bem pronto, mas não identificamos a parte que nos cabe na sua construção. Tal qual a sementinha solitária, que colocada em terreno fértil, brota, cresce, fortalece, fica adulta, gera flores e se multiplica infinitamente nos milhares de frutos que distribui, podemos começar imediatamente o nosso movimento pela transformação do mundo.
Jacira jacinto da Silva - uíza de direito em Bragança Paulista, espírita de nascimento, membro do CPDoc e Presidenta da CEPAmigos.