Os condicionantes históricos e culturais são quase sempre determinantes. É quase impossível analisar determinado fenômeno social sem considerar aspectos históricos, econômicos, culturais, dentre tantos outros fatores. O Espiritismo, enquanto movimento social, não foge a essa regra básica. Por mais que os espíritas insistam em conceber um Espiritismo em si, algo meio metafísico, impoluto, separando o movimento espírita da Doutrina Espírita, de modo equivocado, a realidade mostra-se mais implacável do que se imagina.
Ter uma certa consciência de todo o processo social pode oferecer condições de se optar por caminhos nem sempre condicionados pelo fator cultural e econômico. Isto significa, no caso do Espiritismo, uma compreensão de sua natureza e da forma como se organiza socialmente.
É aí que entramos na questão desejada. A organização social do Espiritismo surge de modo celular. A primeira célula foi a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas (SPEE), em 1858. Em seguida surgem em todo o território francês inúmeros grupos espíritas que se estendem para além das fronteiras francesas, na Bélgica, Suíça, nas colônias francesas, para todo o mundo.
A SPEE era o modelo. E esse projeto de sociedade espírita possuía características muito bem definidas pelo fundador do Espiritismo, Allan Kardec. Ele propôs um crescimento horizontal. Nada de se verticalizar as células espíritas. Segundo Kardec, é preferível 10 grupos espíritas de 20 integrantes do que um único grupo com 200 pessoas. Orientação seguida em seu tempo, mas completamente esquecida em nosso país.
Desde que o Espiritismo surgiu no Brasil, a orientação tem sido contrária à proposta kardequiana, principalmente pela ignorância em relação a sua obra. Ou seja, neste caso, a ignorância doutrinária se sobrepõe aos fatores econômicos e culturais. Os centros espíritas, de um modo geral, comportam-se como igrejas, se verticalizam, concentrando em si esforços doutrinários que poderiam ser compartilhados devido à ignorância em relação à obra kardequiana. Essa verticalização se expressa na sua arquitetura e na organização, centralizada, dirigida de cima para baixo, em que pese o caráter anárquico da proliferação e administração dos grupos espíritas, pois nem todos são filiados a alguma federativa.
O movimento espírita é anárquico e, ao mesmo tempo, centralizado, um paradoxo interessante que permite o surgimento de propostas alternativas, de iniciativas nem sempre afinadas com o pensamento espírita dominante.
É aí que, como contraponto à verticalização do Espiritismo, desde o final dos anos 1980, surgem a cada dia no Brasil e em toda a América Latina, novos grupos espíritas de estudo, pesquisa e divulgação, como aquelas células primordiais ao tempo de Kardec. Grupos pequenos, muito mais fáceis de administrar, de atuar, compartilhar. A integração entre esses grupos se faz de modo natural ou num esquema oficial, como é o caso dos grupos filiados à Confederação Espírita Pan-Americana.
O Centro de Pesquisa e Documentação Espírita (CPDoc), fundado em 1988, é uma das experiências bem sucedidas de um grupo de estudos espíritas pequeno mas atuante, dinâmico e que tem procurado dar sua contribuição no campo do estudo e divulgação do pensamento espírita. Muitos outros grupos podem ser citados, o que demonstra o acerto no caminho adotado por um expressivo segmento do movimento espírita, que busca espaços alternativos de atuação doutrinária.
A orientação kardequiana permanece atual. Em um mundo globalizado, internético, interdependente, grupos pequenos podem ter uma influência tão grande quanto grupos majoritários e integrantes do mainstream espírita. O local se faz global, numa grande aldeia comunicacional, como previu sabiamente Marshall McLuhan. Blogs, portais, sites especializados, as redes sociais etc. permitem um intercâmbio de ideias nunca antes visto. É a hora e a vez dos pequenos grupos espíritas. A verticalização é um câncer que precisa ser evitado.