Reflexões Kardecistas sobre o Prazer e a Dor.
No XIII Simpósio Brasileiro do Pensamento Espírita, realizado em 2013, apresentamos uma reflexão com o título acima, visando destacar o pensamento de Jaci Régis em relação ao problema da dor e do prazer no âmbito da filosofia espírita. Naquela oportunidade, destacamos que um dos princípios fundamentais defendidos por Jaci é a ideia do prazer como móvel da vida. De fato, o pensador espírita santista estabeleceu, em sua teorização doutrinária, um contraditório ao pensamento espírita-cristão, o qual enaltece o sofrimento como fator privilegiado de evolução e crescimento espiritual.
Em razão desta perspectiva inovadora, Jaci Régis foi chamado por alguns de epicurista: “ Revoltam-se alguns quando afirmo que o universo está baseado no prazer e não na dor. Dedo em riste acusam-me de epicurista. Epicurista? Eu não sabia. Não tinha conhecimento da filosofia de Epicuro e fui saber quem era esse ilustre personagem, a quem fui ligado como um verdadeiro pecado”.
Ao chamarem Jaci de epicurista, certamente utilizaram o sentido negativo do termo, cujo significado popular expressa uma pessoa ligada ao culto do prazer sensorial, corporal, enfim, alguém que vive para o gozo e para o prazer imediatos, sem maiores preocupações de ordem ética e existencial. Obviamente, não era este o sentido que o pensador espírita pós-cristão dava à sua ideia de prazer. Segundo ele, os espíritas devem se libertar de uma certa visão mórbida sobre a vida e o mundo, devem olhar a vida com otimismo, com alegria, com disposição para servir ao bem.
Exemplo paradigmático desta visão melancólica temos em uma passagem de O Evangelho Segundo o Espiritismo, atribuída ao espírito de Agostinho, que foi, na Terra, um dos pais da igreja cristã : “Vossa terra é por acaso um lugar de alegrias, um paraíso de delícias? A voz do profeta não soa ainda aos vossos ouvidos? Não clamou ele que haveria choro e ranger de dentes para os que nascessem neste vale de dores? Vós, que nele vieste viver, esperai, portanto, lágrimas ardentes e penas amargas. E quanto mais agudas e profundas forem as vossas dores voltai os olhos aos céus e bendizei ao Senhor por vos ter querido provar!”.
Porém, lembra Jaci, Jesus de Nazaré disse que veio ao mundo para que tenhamos vida em abundância e que a criança era seu grande símbolo de esperança: “Todavia, não é exaltado que Jesus disse: Eu vim para que tenham vida e vida em abundância. As mentes enfermiças dos religiosos entenderam que essa vida abundante só seria possível depois da morte, depois de derramar sangue, suor e lágrimas. O mestre apresentou a criança como símbolo. E criança é alegria, prazer, esperança e promessa. A vida terrena é terreno de construção. Cada um prepara esse terreno de forma diferente, colhendo sorrisos ou lágrimas”.
Na opinião do original e inquieto pensador da doutrina kardecista, o amor deve nos libertar de todo este entulho mental que temos acumulado durantes séculos através das vidas sucessivas, nas quais temos aprendido a depreciar a vida, a rejeitar o aquém à espera do além: “Agora queremos o amor que liberta, que é leve, aberto, que faz bem ao coração. Amor com sexo, com alegria, dentro do recíproco respeito. Amor com ideal, com construtividade. Prazer é retempero da alma.É estado de otimismo e realidade, de pensamento positivo e disposição para servir. É uma forma de estar no mundo, superando a morbidez conceitual da punição divina,pois não existe punição divina”.
No trabalho que apresentamos no Simpósio à época, fizemos questão de ressaltar que não apenas o cristianismo nos legou uma visão negativa a respeito da vida e do mundo. Esta concepção pessimista remonta aos primórdios da civilização ocidental, desde as conceituações órficas, pitagóricas e platônicas, incluindo, é claro, a concepção judaico-cristã, a qual influenciou profundamente o espiritismo de Allan Kardec. Também aproveitamos para discorrer sobre o pensamento de Epicuro, filósofo materialista da Antiguidade, que, em contraposição a este pensamento niilista tradicional, acreditava na possibilidade de uma vida feliz e harmônica neste mundo.
Refletimos, igualmente, em nosso artigo, a respeito da ideia de Deus que nos foi ensinada ao longo do processo histórico. Acostumamos à ideia de um Deus vingativo, que pune os seus filhos. Um Deus que exige sacrifícios para aplacar a sua ira. Um Deus que salva alguns em detrimento de outros. Um Deus que está mais próximo da tristeza do que da alegria. Jaci Régis, em uma de suas mais belas sentenças, indagava: “ Não quer Deus o sorriso, a felicidade, o melhor? Mas a doutrina kardecista abriu as portas da esperança. Ninguém ficará fora do reino, porque Deus ama a todos, mesmo que não tenhamos condições de entender os mecanismos de sua sabedoria. A reencarnação consolida a solicitude e a sabedoria divinas .”
Finalmente, destacamos que tal ideia de prazer, otimismo e felicidade não se trata de fuga, escapismo ou alienação. As dores e as lágrimas estão presentes neste mundo e não devem ser ignoradas. Porém, o sofrimento e a dor não devem ser cultuados, mas sim enfrentados e superados. A dor não é o único caminho para o aperfeiçoamento da alma. Aliás, existem almas que nem mesmo com a dor adquirem qualquer tipo de aprendizado. O prazer e a felicidade também podem ser, indubitavelmente, instrumentos da evolução do espírito. Na verdade, para que tenhamos êxito existencial, é imprescindível que acreditemos na vida, no sorriso, nas possibilidades, no amor e no melhor.
Afinal, “Não quer Deus o sorriso?”.
Ricardo de Morais Nunes: Tem formação em Direito e Filosofia. É delegado da CEPA no Guarujá, presidente do Grupo Espírita Léon Denis, tem colaborado como um dos monitores do webcurso de espiritismo, promovido pelo CPDOC.
Os artigos desta coluna baseiam-se em estudos e pesquisas desenvolvidos pelo CPDoc. www.cpdocespirita.com.br / Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.