ANNUS HORRIBILIS

covidPor JON AIZPÚRUA

Essa expressão latina equivalente a "ano terrível" é provavelmente a mais utilizada pela generalidade as pessoas no momento de fazer um balanço do ano de 2020 que está para ser concluído, devido aos efeitos devastadores que a pandemia covid-19 tem provocado. Basta simplesmente pensar na tragédia que significa ter hoje o registro de 75 milhões de seres humanos infectados e 1,7 milhões de mortes em todo o mundo, após uma progressão que continua a crescer. Além disso, muitos dos que passaram pela doença carregam sequelas físicas e psíquicas cuja duração e importância ainda são desconhecidas.   Soma-se a isso a desaceleração econômica causada pela contenção do vírus, que afetou o modo de vida de grandes contingentes de pessoas, alcançando particularmente os mais pobres e impactando no ciclo regressivo que amplia a desigualdade entre as nações e dentro delas.

Um ano não é muito se considerada a história geral do mundo, mas o é na trajetória particular de cada pessoa. Será lembrado ingratamente poraqueles que sofreram a perda de entes queridos, pelos que adoeceram, pelos que perderam seu emprego ou sua empresa e enfrentam dificuldades e carências inesperadas. Também por aqueles que sofrem o confinamento doméstico na maior solidão, distanciados forçosamente de seus familiares e amigos, sofrendo pela tristeza ou afundados em quadros depressivos.

Uma pequena partícula de código genético, mas com uma capacidade portentosa de disseminação e contágio, colocou a humanidade em xeque, tornando a pandemia um fenômeno abrangente que ataca incansavelmente. Em torno dela todas as estruturas, contradições e potências do mundo são mobilizados ao seu redor, afetando até mesmo as experiências mais íntimas e familiares. Sofre-se na própria carne a fragilidade da existência, a consciência da vulnerabilidade em um nível pessoal, social e do planeta inteiro. Entende-se, portanto, o clamor para deixar para trás este tempo que se tornou um pesadelo.

Ante uma realidade de tantas proporções, que não pode ser relativizada ou ignorada, impõe-se um processo indispensável de revisão e análise que supere a decepção ou o desânimo e aponte para um horizonte no qual brilhe de novo a luz da esperança e do otimismo.  E é aí que os ensinamentos espiritas desempenham um papel altamente esclarecedor e benéfico por sua capacidade de fornecer orientações que atendam ao mesmo tempo as demandas de razão e pedidos que vêm do mundo íntimo dos sentimentos.

Em primeiro lugar, a filosofia kardecista nos convida a distanciar de qualquer manifestação do pensamento mágico, ilógico ou supersticioso que pretenda atribuir a pandemia a uma determinada conjunção astral ou a um castigo deDeus como penalização divina contra os "pecados" das pessoas. Como outras pragas e desastres de todos tipo que aconteceram em todos os tempo, estamos diante de consequências de complexos fatores físicos, biológicos, humanos e sociais que os desencadeiam, que não têm nada sobrenatural e estão em relação com o nível de evolução em nosso planeta. Deus, "inteligência suprema, causa primeira de todas as coisas" de acordo com a resposta precisa dada pelos espíritos a Allan Kardec, se mostra e atua no Universo através de leis naturais e não de comportamentos caprichosos, concebíveis apenas sob uma perspectiva antropomórfica.

Assim entendidas as coisas, não pode haver falsas atribuições nem atitudes conformistas ou negacionistas. Com os recursos da ciência e o comportamento adequado dos cidadãos, cumprindo as instruções de saúde, todos devemos nos envolver na gigantesca operação internacional que conseguirá derrotar o vírus, reduzindo progressivamente seus efeitos e recuperando a saúde física, mental e emocional da população mundial, bem como a qualidade de vida. E os espíritas, como pessoas conscientes de nossa responsabilidade social, somemos nosso apoio a todos os esforços que contribuem para um resultado breve e positivo. O início da vacinação e o aumento do conhecimento sobre o vírus, sua letalidade, os fatores envolvidos em sua transmissão e contágio, além das medidas de cuidado pessoal, familiar e social que o freiam, constituem uma boa notícia em meio a tanta incerteza e alimentam uma aposta otimista na extinção da epidemia no próximo ano.   

É claro que lições inevitáveis emergem dessa tragédia, as quais devemos aprender e internalizar para evitar os mesmos erros que levaram a ela. O espiritismo, sustentado por princípios científicos, filosóficos e éticos derivados de seus postulados básicos sobre Deus, transcendência espiritual, evolução universal, o processo reencarnatório e a comunicação entre encarnados e desencarnados, nos convida a refletir sobre os elementos que concorrem para o desencadeamento e eclosão dessa grave contingência e para entender os numerosos e variados ensinamentos que nos deixa, entre os quais devemos destacar a necessidade urgente de alcançar um estado de consciência geral no mundo para assumir resolutamente  a proposta de uma bioética global que promova mudanças substanciais em nossos  estilos de vida e conduza à confluência da ecologia e clínica, além de estender pontes entre ciências, tecnologias e humanidades, construídas sob a égide de uma espiritualidade laica, fraterna, tolerante, compassiva e amorosa.   

Levemos sempre em conta a constante inter-relação entre as humanidades visíveis e invisíveis e os benefícios derivados dela. Vamos humilde e respeitosamente pedir aos espíritos desencarnados mais evoluídos que orientem nossos cientistas a alcançar os melhores resultados em suas pesquisas e aos líderes mundiais para tomar as decisões mais apropriadas a favor de todos os povos. E não esqueçamos que a partir da intimidade de nossas casas podemos direcionar nossas vibrações mentais na forma de pensamentos amorosos e esclarecedores para os seres que desencarnaram em meio a essa crise, envolvidos por dores e sofrimentos, muitas vezes isolados em instituições hospitalares e na maior solidão, para ajudá-los em seus processos de reabilitação mental e emocional, e no reencontro com espíritos guias, benfeitores e familiares que os precederam na partida para a dimensão espiritual.

Disponhamo-nos a seguir em frente, com esperança e otimismo. A vida continua e seu horizonte evolutivo é a felicidade. Tornemos realidade as palavras do famoso filósofo José Ortega y Gasset: "Você só pode progredir quando pensa grande; só é possível avançar quando você olha longe".

Vamos deixar para trás este ano difícil e com a contribuição de todos vamos fazer de 2021 um ano de recuperação física e espiritual. Vamos passar de annus horribilis ao annus felix. (Tradução: Wilson Garcia.)

 

 

Autor: Jon Aizpúrua
Professor na Universidade Central da Venezuela desde 1981; economista diplomado em 1984; psicólogo licenciado em 1992, JON AIZPURUA faz brilhante carreira como intelectual, conferencista e escritor, membro que é da Associação Venezuelana de Escritores. É ex-presidente da Associação Espírita Internacional, CEPA, bem como do Movimento de Cultura Espírita CIMA, da Venezuela.

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