Parece não haver dúvida de que o pano de fundo da questão sobrea redução da maioridade penal está na necessidade de apresentar alguma resposta ao crescimento da criminalidade. A sociedade já não suporta mais a afronta constante, desmedida, cruel e avassaladora aos seus direitos. Pessoas comuns, simples e desconhecidas, ou socialmente reconhecidas e públicas, são igualmente alvejadas e vilipendiadas em seus direitos mais sagrados, incluindo a convivência pacífica com seus familiares, o patrimônio, a inviolável intimidade do corpo, etc.

Os terríveis crimes divulgados em mídia nacional recentemente fez ressurgir a solução antes já proposta e descartada : a redução da idade penal.

Essa questão já foi exaustivamente debatida, discutida e praticamente exaurida noutros tempos, tendo sido igualmente motivo de estudos em outros países. Os cientistas sócio-políticos e juristas têm explorado essa vertente da questão da criminalidade, mas nunca ninguém concluiu que a redução da imputabilidade penal favorece a sociedade, diminui a criminalidade, ou pacifica algum canto desse mundo.

Nos países em que a imputabilidade penal começa mais cedo que no Brasil não há menos problemas, ressalvados casos especiais como Dinamarca, Suécia, Suíça, por exemplo, que contam com programas especiais destinados a “jovens adultos” entre 15 e 18 anos, nos quais a prisão aparece como última alternativa.1 Dos criminosos do nosso país, autores de crimes graves, apenas1,09%2 estão na faixa etária abaixo de 18 anos de idade. Supondo, hipoteticamente, quereduzindo a idade penal o Brasil se livrasse desses 1,09%, o país seria menos vulnerável e mais seguro? Pensar assim é um absurdo sem propósito!3

A proposta de redução da idade penal é enganosa e não nos interessam ações falaciosas. Dizem especialistas que o jovem atual está mais apto a compreender as consequências dos seus atos, tem mais discernimento, o que poderia levar à equivocada conclusão de que a redução da imputabilidade penal representa maior Justiça. Porém, afirmam igualmente que o adolescente, ao passar por fase crítica na formação de sua personalidade, sofre extraordinárias e negativas influências no que tange ao componente volitivo da imputabilidade, de molde a não se poder considerá-lo com capacidade de determinação conforme eventual consciência de ilicitude. 4

1 Na Dinamarca, Noruega, Egito, Suécia e Finlândia, a maioridade penal é fixada aos 15 anos. Nesses países, adolescentes entre 15 e 18 anos estão sujeitos a um sistema judicial voltado para os serviços sociais, sendo a prisão o último recurso.

 

Argentina, Chile e Cuba: 16 anos. Em Portugal, a maioridade penal é estabelecida a partir dos 16 anos, sendo que, entre 16 e 21 anos, o agente está sujeito a um Regime Penal Especial, conforme previsto no artigo 9º do Código Penal Português.

2 Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente (CAOPCA/MPPR). http://www.crianca.caop.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=255 . Acesso em 27/4/2013.

3 De outro turno, o Mapa da Violência, aponta aumento de 123,8% no número de homicídios de crianças e adolescentes entre os anos 2000 e 2010. Dentre os 99 países com dados recentes nas bases estatísticas da Organização Mundial da Saúde, o Brasil, com sua taxa de 13,0 homicídios para cada 100 mil crianças e adolescentes, ocupa a 4ª posição internacional, só superada por El Salvador, Venezuela e Trinidad e Tobago.

4 SOTTO MAIOR NETO, Olympio de Sá. Sim à garantia para a infância e juventude do exercício dos direitos elementares da pessoa humana. Não à diminuição da imputabilidade penal . http://www.crianca.caop.mp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=944 Acesso em 27/4/2013.


O novo Código Civil, que reduziu a idade da emancipação civil para 18 anos (no antigo a maioridade era alcançada aos 21 anos de idade) e ainda considera que a pessoa menor de 16 anos de idade é absolutamente incapaz, sendo relativamente capaz entre 16 e 18 anos. A imputabilidade penal somente a partir dos dezoito anos de idade não está prevista no art. 228 da Constituição Federal por mero descuido da Assembleia Nacional Constituinte de 1988, sendo fruto de estudos científicos sérios, cujos sinais evidenciaram, na adolescência, a inexistência de maturidade para assumir todas as responsabilidades atribuídas ao adulto formado, maior e capaz.

Mas tenho que o cerne da discussão deveria ser a segurança das pessoas; as políticas públicas, municipais, estaduais e federais, de garantia à população dos seus direitos fundamentais e dentre eles o maior de todos, o de viver. Colocar a redução da maioridade penal no centro do debate significa desviar o foco, pois o que interessa à população é saber o que pode e deve ser feito para se viver com o mínimo de segurança .

A Filosofia Espírita oferece um conjunto de informações sobre o ser humano e a sua experiência no mundo que permite ao cidadão compreender a necessidade de interferir positivamente no cenário de forma a produzir resultados. Não existe nenhuma pesquisa científica demonstrando que a redução da idade penal pode identificar mais criminosos, processar mais, condenar mais, prender mais, ressocializar mais, reduzir a corrupção, enfim, tornar a Polícia e a Justiça mais eficientes. Muito menos que seria capaz de corrigir as visíveis falhas do sistema socioeducativo.

A questão da violência passa também, queiramos ou não, pela análise crítica das condições de atendimento, pelo Estado, às crianças, aos adolescentes e suas respectivas famílias, não podendo um crime grave servir como cortina de fumaça para esconder graves problemas que pedem providências imediatas.

Como pensar que colocar os jovens dois anos mais cedo nos ineficientes estabelecimentos penitenciários do Brasil poderia suprir a inexistência do aporte privilegiado de recursos orçamentários para as políticas públicas multisetoriais, poderia substituir a comprovada falta de prevenção, proteção e educação, exatamente como preconizam o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição Federal?

As autoridades públicas sabem perfeitamente onde estão os gargalos, em que consistem suas fragilidades, quais as rupturas que precisariam ser feitas. Não caiamos em mais esse engodo para mostrarmos aos políticos oportunistas que nossa inteligência deve ser respeitada.

Jacira Jacinto da Silva -Juíza de Direito da 16ª vara cível do Foro Central da Capital de São Paulo.Mestre em direito processual. Especialista em violência doméstica contra crianças e adolescentes pela USP.

Estudiosa das Políticas sobre álcool e outras drogas. Integrante do CPDoc e da CEPABrasil.

Esta coluna é mantida pelo CPDoc – Centro de Pesquisa e Documentação Espírita ( www.cpdocespirita.com.br).

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