É com muito júbilo que os espíritas comemoram neste ano o sesquicentenário da Revista Espírita. O primeiro exemplar saiu em janeiro de 1858. Antes de seu passamento, em31 de março de 1869, Allan Kardec deixou pronta a edição de abril. As edições de maio e junho, póstumas, contêm informações detalhadas sobre o seu desencarne, biografia e material inédito. Ao todo são doze volumes, que podem ser considerados como parte da Kardequiana, composta por mais de 30 obras, se incluirmos a sua correspondência (rara e dispersa), livros introdutórios ao Espiritismo, prefácios e verbetes para enciclopédias etc.

Durante muito tempo essa obra volumosa e rica de informações históricas, de idéias, de teorias experimentais, esteve restrita a poucos privilegiados que possuíam condições de adquiri-la e de lê-la em francês. Por muitos anos a Federação Espírita Brasileira preferiu investir em obras caras e inúteis do ponto de vista espírita, como a coleção de quatro volumes de Os Quatro Evangelhos, de Roustaing e várias outras obras roustainguistas. Não fosse o esforço hercúleo do escritor e tradutor Júlio Abreu Filho, apoiado pelo jornalista e filósofo espírita José Herculano Pires e a editora espírita Edicel, essa coleção monumental permaneceria no limbo, longe do alcance da comunidade espírita. Júlio Abreu Filho criou a editora Édipo para lançar a coleção, no início dos anos 60. Posteriormente encampada, em termos editoriais, pela Edicel, mediante o esforço de seu proprietário, Frederico Giannini.

É de Júlio Abreu Filho, um dos maiores eruditos que o Espiritismo brasileiro já conheceu, a visão da revista como um laboratório, um espaço de experimentação doutrinária, conceitual, instrumento indispensável de Kardec: “foi o seu mais importante instrumento de pesquisa, verdadeira sonda para a captação das reações do público, ao mesmo tempo, instrumento de divulgação e defesa da Doutrina. Mais do que isso, porém, constitui-se numa espécie de laboratório em que as manifestações mediúnicas, colhidas por todo o mundo, eram examinadas à luz dos princípios de O Livro dos Espíritos e controladas pelas experiências da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e pelas novas manifestações espirituais recebidas.” (Revista Espírita – 1858 - Apresentação – Edicel – grifo meu)

Incentivado pela esposa, Amélie Boudet, e pelos Espíritos, Allan Kardec decide lançar a revista com seus próprios recursos. O empreendimento editorial deu certo. Sem nenhum empresário para ficar no seu pé, para lhe censurar, Kardec praticou um jornalismo independente, todo voltado ao estudo e pesquisa de fenômenos e idéias relacionadas ao Espiritismo. A revista foi o primeiro periódico espírita e o Druida de Lyon, o primeiro jornalista e comunicador espírita.

A epígrafe e o subtítulo mostram logo na capa do primeiro número sua finalidade: Jornal de Estudos Psicológicos. Isso demonstra que a linha editorial adotada não iria serestringir à exposição pura e simples dos fenômenos espíritas, mas se propunha ao debate de temas atuais e que pudessem ser correlacionados ao Espiritismo. E na epígrafe, uma das máximas kardequianas que definem o espírito da revista e de toda sua obra: “Todo efeito tem uma causa. Todo efeito inteligente tem uma causa inteligente. O poder da causa inteligente está na razão da grandeza do efeito.”

Trata-se de um grande arsenal de informações, leitura obrigatória para quem quiser compreender o desenvolvimento histórico do Espiritismo francês. É também a prova viva de que Kardec foi muito mais do que um simples compilador ou codificador. Ele mesmo afirma o papel que a revista tinha para ele: “A Revista foi, até hoje, e não podia ser senão uma obra pessoal, tendo em vista que ela faz parte de nossas obras doutrinárias, tudo em servindo de anais ao Espiritismo. É lá que todos os princípios novos são elaborados e colocados em estudo. Era, pois, necessário que ela conservasse o seu caráter individual para a fundação da unidade.” (RE– dezembro 1868 – Obras Fundamentais da Doutrina – grifo meu)

A revista sempre foi mensal, em formato de livro. Teve de ser várias vezes reimpressa devido à solicitação dos leitores ávidos por completarem sua coleção. Não temos a informação da tiragem. Mas, de certo, chegava aos milhares e era enviada para dezenas de países, entre eles o Brasil. O jornalista e escritor espírita baiano Luiz Olympio Telles de Menezes enviou correspondência à revista. A edição de junho de 1869 faz referência ao lançamento do primeiro periódico espírita brasileiro: O Écho d’Além-Túmulo – Monitor d’o Spiritismo n’o Brazil, publicado de 1869 a 1871.

Kardec preferiu manter a periodicidade mensal, mais adequada, segundo ele, aos propósitos editoriais e doutrinários da revista: “Transformada em uma folha semanal, ela perderia o seu caráter essencial. A própria natureza de nossos trabalhos se opõe a que entremos no detalhe das preocupações e das vicissitudes do jornalismo. Eis por que a Revista Espírita deve permanecer o que ela é; continuá-la-emos enquanto que sua existência, sob essa forma, nos for demonstrada necessária. Aliás, mudando-lhe o modo de publicidade, teríamos o ar de querer fazer concorrência aos novos jornais publicados sobre a matéria, o que não poderia entrar em nosso pensamento. (RE – novembro 1864 – Periodicidade da Revista Espírita)

Após o desencarne do fundador do Espiritismo, a revista passou a ser dirigida pelo amigo e companheiro inseparável, Pierre-Gaëtan Leymarie. Devido a I Guerra Mundial, teve sua circulação interrompida entre 1915 e 1917. Também parou de circular durante a II Guerra Mundial, entre 1940 e 1947. A partir de 1977 mudou de nome para Renaître 2000 , por decisão do então editor André Dumas. Em 1989, depois de um longo processo, a Federação Espírita Brasileira, através do Conselho Espírita Internacional, conseguem o registro oficial do nome da revista, editada em vários idiomas, e que circula atualmente em vários paises, mas já completamente descaracterizada.

Existem atualmente três traduções brasileiras disponíveis. A primeira, feita por Júlio Abreu Filho, com tradução das poesias por J. Herculano Pires, lançada pela Edicel, São Paulo-SP, em formato brochura ou encadernada, no início dos anos 60. A segunda tradução é de Salvador Gentile, editada em 1993 pelo Instituto de Difusão Espírita (IDE), de Araras-SP. E, mais recentemente, a Federação Espírita Brasileira, Rio de Janeiro-RJ, finalmente lançou uma edição traduzida por Evandro Noleto Bezerra, em 2004, por ocasião do bicentenário de nascimento de Allan Kardec. As poesias foram vertidas por Inaldo Lacerda Lima.

A coleção completa pode ser obtida, em edição digital, nos seguintes endereços: http://www.bibliotecaespirita.com , site mantido pela Federação Espírita do Paraná. E também no portalEsnips, para busca de livros em formato PDF e DOC: http://www.esnips.com

Quem quiser ler a revista no original, há o excelente siteEncyclopédie Spirite: http://www.spiritisme.net; lá, o interessado poderá acessar obras no original de vários autores espíritas franceses, dentre eles, Allan Kardec.

 

Eugenio Lara , arquiteto e design gráfico, é membro-fundador do CPDoc, expositor do InstitutoCultural Kardecista de Santos, do Centro Espírita Allan Kardec, de Santos, e um dos coordenadores do site PENSE – Pensamento Social Espírita.

Eugenio Lara
Autor: Eugenio Lara
Arquiteto e design gráfico, é membro-fundador do CPDoc, expositor do InstitutoCultural Kardecista de Santos, do Centro Espírita Allan Kardec, de Santos, e um dos coordenadores do site PENSE – Pensamento Social Espírita.

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