RADICAIS IDEOLOGIAS: UM MOSAICO CONTEMPORÂNEO - Jornal Abertura 2017

Qual seria o valor determinante do nosso agir no mundo? Alguns afirmariam que nada é mais alienante que a religião; outros invocariam a família; a escola talvez! A filosofia? Estamos defendendo neste pequeno espaço a força incomensurável da ideologia (conjunto de ideias e ideais de uma pessoa ou grupo). Não temos convicções absolutas e a proposta está aberta a críticas e discussões, porém, a recente história do Brasil e do mundo, em especial dos Estados Unidos da América, parece corroborar nossa tese.

Num pequeno grupo de onze pessoas muito próximas, todas declaradamente espíritas, fizemos um levantamento em que elas próprias se auto definiram como consta no na lista abaixo. Há uma simplificação que pode ser questionada (por exemplo, do ponto de vista político, só havia duas opções: esquerda ou direita), mas de qualquer forma o quadro reflete um fato muito claro: o espectro ideológico da sociedade está também presente entre espíritas.

Lista de declarações:

Maycon: laico, são paulino, de esquerda;

Silene: laica, torcedora do Grêmio, de direita;

Alexsander: laico, torcedor do Internacional, de direita;

Neide: religiosa, não gosta de futebol, de direita;

Erica: religiosa, não gosta de futebol, de direita;

Adelson: laico, santista, de esquerda;

Alana: laica, corinthiana, de direita;

Mariana: laica, não gosta de futebol, de esquerda;

Marcondes: não sabe se é laico ou religioso, torce para o Figueirense, de direita;

Reginaldo: laico, santista, de esquerda;

Margareth: laica, torce para o Internacional, de esquerda.


Cruzadas essas informações forma-se um mosaico , e levada a intolerância ao grau que temos visto na atualidade, é fácil concluir pela dificuldade hoje encontrada na convivência social.

Estaríamos, então, ao ponto de negar a civilização, ou por outras palavras admitir a nossa incompetência para a prática da alteridade, ou, ainda, para o respeito recíproco? Teria havido algum retrocesso no processo evolutivo? Estaríamos, enfim, constatando um equívoco na teoria espírita da evolução?

A evolução pode não se concretizar de forma linear, sendo fato que se percebe, muitas vezes, o crescimento em espiral, fazendo parecer em muitas ocasiões estagnado. A mesma questão pode ser interpretada por outra ótica. É possível entender Kardec, afirmando que neste suposto crescimento não percebido, em que aparentemente estaríamos estagnados, de fato, por opção, não estaríamos nos esforçando, trabalhando, estudando, fazendo algo para alavancarmos a evolução, analisado por qualquer aspecto, moral, cultural, intelectual, enfim.

Uma pessoa pode muito bem passar décadas sem matar e nem por isso ter vencido o instinto assassino; de repente, surgindo a oportunidade, poderá tornar-se homicida.

As atitudes irascíveis, a demonstração de virulência, a falta de lhaneza, nada mais representam do que baixo grau evolutivo; ausência de polidez do espírito, falta de solidariedade humana, de altruísmo, de companheirismo etc. Por muito, ou por muito pouco, saímos às foices, cortando a cabeça do outro que enxergamos como inimigo de morte, às vezes pela simples manifestação de ideia divergente. Quem age assim? Quase todos nós, em regra, praticamente todos nós; faz parte do estado de espírito generalizado do povo, o que ficou muito claro nessa dicotomia estabelecida pela guerra política contemporânea do Brasil.

Conquanto muitos de nós se coloquem acima dos demais, usando frases do tipo “eu não tenho lado; nunca me posicionei de um lado etc.”, fomos picados sim, e por maior que seja o esforço realizado para estar acima dos demais, sempre deixamos uma peninha, aqui ou ali, a revelar a nossa escolha; a nossa preferência; o nosso “lado”.

Ora, pensamos, isso deveria ser natural. Não obstante, é feio dicotomizar. Então, nós, por sermos “melhores que os outros”, mesmo vivendo neste mundo maniqueísta no qual só existem o bem e o mal, o certo e o errado, não podemos revelar o nosso lado. Aliás, pelo menos no Brasil agora está difícil mesmo escolher um lado, já que não pode haver cara de pau para jogar pedra no telhado do vizinho, embora o nosso instinto bélico ainda insista em fazê-lo.

Interessante observar que essa insistência se manifesta em qualquer ambiente: no trabalho, em casa, na escola, e, pasmemo-nos, no centro espírita também. E o que justificaria isso? por qual razão nosso instinto primitivo ressurge tão vigoroso nesses momentos? Ao que parece, nem a educação, nem a família, nem a filosofia, nada suplanta a ideologia que, ao fim e ao cabo, é fruto de todas as demais influências.

Talvez estejamos apenas comprovando a afirmação de Kardec de que a terra é um planeta muito próximo à última categoria de mundos; muito, mas muito distante ainda daqueles em que os habitantes se respeitam mutua e reciprocamente.

Essas reflexões podem não ajudar muito, mas permitem pensar sobre o mau uso que fazemos dos recursos abundantes dos quais dispomos. Há muita inteligência, generosidade, amor, alegria e fraternidade na humanidade. Possivelmente se canalizarmos melhor esses talentos vamos construir comunidades mais pacíficas e mais felizes.

Mauro de Mesquita Spinola, Engenheiro e da Jacira Jacinto, advogada residem em São Paulo.

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O CPDOC Iniciou suas atividades em 1988, fruto do sonho de jovens espíritas interessados na inserção da crítica coletiva como prática estimuladora ao aperfeiçoamento dos trabalhos.

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