Corre em nosso meio que Wallace (1823-1913) era espírita, mas ele publicou um artigo atacando a reencarnação. Esta distingue o espiritismo do espiritualismo anterior e, então,constatamos que a propaganda do Wallace espírita é enganosa. No Pará e Oceania (1848-62), ele muito contribuiu com a biologia, destacando-se a teoria da evolução anunciada com Darwin em 1858; de volta à Inglaterra, aderiu ao espiritualismo e, em 1904, atacou a reencarnação segundo a teosofia, na qual ela é o motor do progresso humano: assim as almas prosperariam moral e intelectualmente, aperfeiçoando os corpos humanos nos quais vivem.

Mas observa Wallace, se isto é real “devem existir indícios de progressos contínuos... nas formas mais elevadas do caráter humano”. Mas “decerto não avançamos moralmente tanto quanto intelectualmente e, mesmo no intelecto, tomando à média, é duvidoso que tenhamos realmente avançado”. Assim, quais fatos sustentam a reencarnação? Para o naturalista, “trata-sede uma especulação pura que não tem como se apoiar em qualquer evidência direta. Mas por outro lado há um corpo considerável de evidências que a torna improvável no mais alto grau”.

Existe a crença que os gênios provam a reencarnação e levarão a humanidade a um patamar superior pela reprodução; mas já no séc. XIX a ciência não corroborava tal tese, pois aplicando a estatística às famílias com frequentes indivíduos excepcionais, Galton mostrou que as características mentais também são hereditárias e obedecem sua lei da regressão à média. A evidência disponível não confirmava a teosofia, não se via progresso, apenas variação estatística atada à hereditariedade. Assim, Wallace observa que “homens excepcionalmente inteligentes nascem de pais de capacidade apenas mediana, enquanto tais homens muito raramente têm filhos brilhantes; grandes gênios nunca”. Ele defende então a autonomia do mundo material em face ao espiritual: a evolução resulta de um longo período mais estável e de um curto com muitas modificações. Se a lei teosófica fosse real, haveria progresso gradual devido ao retorno das almas, com aperfeiçoamento do corpo, intelecto & moralidade humanos; mas desde que surgiu, o homem mantém a média e os gênios eventuais não aprimoram a estrutura humana, pois sua descendência não retém suas virtudes.

Socialista, Wallace alfinetou a sociedade, não aceitando que mesmo uma alma má seja beneficiada “ao ser mergulhada de novo... na mansão ou favela; dentre os ricos sensuais ou pobres famintos... ao atravessar os horrores da guerra em cuja preparação concentramos todos os recursos da ciência e muito da riqueza duramente conquistada pelas massas, enquanto deixamos seus filhos crescerem na necessidade, miséria e vício e seus velhos e fracos morrerem lentamente”. Mas seus argumentos contra a reencarnação não são decisivos, sendo maior seu interesse histórico, pois ele não a refutou; acreditando fazê-lo, atacou basicamente a sua associação com um progresso incessante, a hipótese auxiliar teosófica. Por exemplo, o bioquímico Behe tentou recentemente refutar Darwin atacando o gradualismo, sua hipótese auxiliar; mas mesmo se este ritmo da acumulação for falso, a evolução pode ser verdadeira, pois pode ocorrer de modo pontuado - como Wallace argumentou em 1904 (longos períodos de relativa estabilidade seguidos de mudanças rápidas). Assim, se a reencarnação não for o motor de um progresso contínuo, não se segue necessariamente sua inexistência.

Ao fim, mais que logicamente fundamentado, vemos que Wallace não gosta da reencarnação, a motivação por trás do artigo. Um preconceito o decide: ela é estranha à sua formação vitoriana, marginal no ocidente etc. Ele não esconde o alívio por tê-la afastado com uma “enfática negativa”, pois a vê como “um pesadelo grotesco que… só pode ter se originado nas eras de mistério e superstição. Felizmente, a luz da ciência o apresenta como inteiramente infundado”. Mas a premissa desta conclusão fere seu critério inicial, pois “respostas que apelam principalmente a preferências pessoais… são absolutamente inúteis”. Assim, sua opinião (que não vê vantagem no retorno das almas) não devia ter sido dita para responder se elas voltam ou não; afinal, fatos independem de opiniões. Resta uma pergunta aos espiritualistas que admitem a preexistência: por que a alma encarna neste mundo? Se uma vez ela habitou um corpo, a princípio não há motivo para que isso não ocorra de novo.

Marcio Rodrigues Horta é doutor em filosofia pela USP, funcionário do TRE/SP e professor da Uniesp/Sorocaba.

Os artigos desta coluna baseiam-se em estudos e pesquisas desenvolvidos pelo CPDoc. www.cpdocespirita.com.br / Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

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